Tribuna de Minas

O grande leilão

Que leiloeiro seria capaz de avaliar um pôr do sol guardado na palma da mão? Orçar a impressão de ver o mar pela primeira vez? Estipular o pagamento pela leveza de existir, podendo viver sem tanto peso, sem tantas cobranças? (Foto: Ahmet Yüksek / Pixels)
Se a vida fosse um grande leilão e tivéssemos muito dinheiro para gastar, o que gostaríamos de arrematar? A pergunta surgiu depois de uma roda de conversa com meus alunos sobre o valor dos sonhos e sobre até onde estariam dispostos a ir para realizá-los. Um deles afirmou que só com muita grana seria possível concretizar desejos, porque, no mundo de hoje, absolutamente nada é de graça.
Foi então que me ocorreu a imagem do leilão como metáfora perfeita da vida. Um espaço onde se oferecem preciosidades que não têm preço, mas que, muitas vezes, por medo, por cegueira, por falta de compreensão, de amor-próprio e de amor ao próximo, deixamos escapar sem sequer dar um lance.
Quanto custaria voltar no tempo e comemorar os primeiros aniversários com a presença de nossos avós? Qual valor compraria a sensação de ser criança e chupar bala de hortelã e tomar água depois só para sentir o líquido bem geladinho? Que custo teria a alegria de perceber que aprendeu a andar de bicicleta e que não precisa mais de alguém para empurrar e apoiar?
Penso que, se a vida fosse esse grande leilão, haveria lotes invisíveis aos olhos mais apressados. Quem ousaria levantar a mão para arrematar um abraço verdadeiro, desses que curam sem dizer palavra e que cada vez estão mais raros em tempos de relações tão frágeis? A amizade, então, dessas que atravessam os anos sem perder o brilho, quanto custaria? Quem pagaria o preço justo por uma conversa fiada na calçada na frente de casa, rindo de coisas sem importância, mas que ficam guardadas como tesouro? Quanto se pagaria por uma tarde de sábado rodeada de amigos do colégio, ouvindo música no antigo aparelho de som 3 em 1, que fazia nossas cabeças na adolescência? 
Qual seria o lance inicial por uma noite de sono tranquila, sem sobressaltos, sem preocupações? No pregão da vida, talvez os bens mais valiosos sejam justamente aqueles que não cabem em cofres nem podem ser exibidos em vitrines. Saúde, liberdade, memória, afeto. Lances altos demais para quem mede o mundo apenas pelos cifrões.  Estou falando de bens que são até acessíveis, porém, só para aqueles que já aprenderam a enxergar valor onde quase ninguém enxerga. 
Que leiloeiro seria capaz de avaliar um pôr do sol guardado na palma da mão? Orçar a impressão de ver o mar pela primeira vez? Estipular o pagamento pela leveza de existir, podendo viver sem tanto peso, sem tantas cobranças? Nenhum pregoeiro seria capaz de estipular uma quantia para a beleza daquilo que escapa, para o amor verdadeiro, para o tempo não perdido, para a chance de recomeçar sempre que for preciso.
No fundo, um grande leilão da vida seria um evento curioso, pois, nele, aqueles que têm muito dinheiro talvez descobrissem que quase nada poderiam arrematar, porque a grande maioria do que é oferecido não se paga com moedas. E isso pode ser de enorme ironia: descobrir que, no grande leilão da vida, algumas coisas não se compram, mas apenas se vivem.
Leia também: A toda hora algo nasce dentro da gente
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